No último dia 13 de agosto, um brasileiro, jogador, técnico da seleção brasileira, do Botafogo-RJ, Flamengo-RJ, único tetracampeão mundial de futebol, fez 80 anos. “Velho Lobo”, vencedor, obstinado e supersticioso com o mítico número 13: “Brasil campeão tem treze letras e Argentina vice, também tem treze letras”, é uma de suas frases mais famosas. Seu nome: Mário Jorge Lobo Zagallo.
Em entrevista ao canal SPORTV, Zagallo conta fases da carreira, entre elas o primeiro título mundial de 1958 e as campanhas de 1970, 1974, 1994, 1998 e 2006. Ele esteve no maracanasso na final entre Brasil e Uruguai na Copa de 1950, ainda como espectador, porém, predestinado a mudar o futuro da seleção brasileira (ainda não era a canarinho pois usava o uniforme branco). “Eu tenho verdadeira paixão pela amarelinha [...] ainda posso contribuir de alguma forma com a seleção”, disse inconformado sobre a eliminação do Brasil na Copa América 2011, quando a seleção perdeu todos os pênaltis na disputa contra o Paraguai.
Depois do drama de 1950, Zagallo junto a Pelé, Garrincha & Cia, conquistava em 1958, em Estocolmo, o tão sonhado título mundial contra a Suécia por 5 a 2. Aos 4’ do primeiro tempo os donos da casa abrem o placar – voltava o pesadelo de 1950 – logo superado pelo Brasil que virou em 2 a 1. Na etapa final, o jovem Pelé marcou o 3º, Zagallo o 4º, a Suécia descontou e Pelé fez o 5º, um dos maiores gols da história das Copas. Brasil campeão.
Em 1962 no Chile, última de Zagallo como jogador (com Pelé machucado na primeira fase), as vitórias da campanha do bicampeonato foram comandadas por Garrincha. O Brasil teve poucas alterações. Amarildo substituiu Pelé contra a Espanha e apesar de Pepe estar melhor na ponta esquerda, Zagallo foi o titular. O jornalista Celso Unzelte, autor de “O livro de ouro do futebol” (Ediouro, 2002), faz a seguinte descrição sobre o Brasil na Copa de 1962:
“Com Pelé definitivamente fora da Copa do Mundo, coube a Garrincha fazer um pouco de tudo. E ele fez: passes, cruzamentos, dribles e quatro gols, entre eles um de cabeça e outro de pé esquerdo, jogadas que não eram parte do seu repertório”. (p.165)
Brasil bicampeão. Zagallo deixava a ponta esquerda para treinar os juniores do Botafogo em 1966. No ano seguinte com o time profissional foi campeão carioca e, em 1968, o bicampeonato e a conquista da Taça Brasil.
PRA FRENTE BRASIL, SALVE A SELEÇÃO
O “convite” para treinar a seleção brasileira veio após a saída do jornalista e técnico João Saldanha que havia ganhado as eliminatórias para o Mundial do México’70. Neste episódio polêmico da CBD em pleno regime militar, Zagallo se defende dizendo: “Falaram que eu tinha pégo a seleção pronta do Saldanha. Isto me incomodava porque não era a realidade. Eu passei de um 4-2-4 das eliminatórias para um 4-3-3. Meu ponta-esquerda seria o Paulo César Caju e o Tustão apenas o reserva do Pelé. Eu coloquei dois reservas, o Rivellino e o Clodoaldo para jogar no meio-campo ao lado do Gérson, sendo que o Piazza passou a quarto-zagueiro. No gol, jogava Ado ou Lião (mais o Ado), na lateral-esquerda, Marcoantónio [...] O Tustão vinha de uma cirurgia no olho e se destacou como pivô de área (como no basquete). Mudou totalmente, eu já sabia o que iria fazer com a seleção, pois Copa do Mundo é outra coisa!”
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Brasil na Copa de 1970: a mesma formação
com o Peru e na final contra a Itália |
Para Zagallo, o jogo principal na campanha do tri foi Brasil 1X0 Inglaterra, com boa atuação de Paulo Cesar e gol de Jairzinho diante dos campeões de ’66, que teve ainda, uma cabeçada de Pelé quase indefensável para Gordon Banks que desviou espetacularmente para escanteio. Mas, segundo ele mesmo, a semifinal contra o Uruguai mexeu com o fantasma da final perdida de 1950: “No intervalo dei um esporro na equipe [...] havia uma pressão feita pela imprensa na véspera da partida contra os uruguaios e eles eram muito jovens, não tinham nada a ver com aquilo”. De virada, Brasil fez 3 a 1 seguindo para a final contra a Itália, também bicampeã (1934/1938) na disputa definitiva pela Taça Jules Rimet. Brasil tricampeão.
“AÍ SIM, FOMOS SURPREENDIDOS”
Na Alemanha, em 1974, tudo seria diferente com mudanças no time (sem Pelé que se despediu da seleção contra a Iugoslávia, em 1971) e a Holanda pela frente, a melhor seleção da Europa que se movimentava constantemente e os jogadores não guardavam posição fixa. Em transmissão do jogo Holanda 2X0 Uruguai feita pela TV Cultura, nota-se a surpresa do narrador Luiz Noriega vendo o esquema tático dos holandeses que envolvia os uruguaios. Depois de uma classificação magra na primeira fase vencendo a República Democrática do Congo (Zaire) por 3 a 0, a seleção brasileira até embalou: fez 1 a 0 na Alemanha Oriental, 2 a 1 na Argentina e parou diante do carrossel holandês, perdendo por 2 a 0, com o zagueiro Luis Pereira expulso. Segundo Unzelte relata em seu livro:
“Na véspera da partida contra a Holanda, o técnico brasileiro Zagallo procurou menosprezar o futebol do adversário. ‘É um bom time, mas nada de especial’, chegou a dizer sobre os holandeses”. (p.205)
Com gols de Neeskens e Cruyff aos 20’ do segundo tempo, acabava o sonho do tetracampeonato para Zagallo, diante da favorita Holanda que seria vice, perdendo por 2 a 1 para o futebol pragmático de forte marcação da Alemanha Ocidental, comandada por Beckenbauer. Zagallo reconheceu: “Caímos diante de um futebol de primeira linha”. Rinus Michels treinador holandês de volta à seleção em 1978, com alguns jogadores da laranja mecânica, não conseguiu repetir a mesma revolução futebolística de 1974. Johan Cruyff por questões políticas, se recusou a jogar o Mundial da Argentina, na época governada por uma junta militar e a Holanda novamente perdeu a final para a anfitriã por 3 a 1.
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Brasil na Copa de 1974: Brindisi marca o gol da Argentina em jogo da segunda fase |
“É TETRA, É TETRA!”
Em 1994 na Copa dos EUA, Zagallo foi chamado pela CBF para ser coordenador técnico de Parreira. Os dois treinadores já haviam trabalhado juntos na campanha do tricampeonato em 1970 (Parreira era prepador físico) e segundo Zagallo, “éramos uma dupla sem vaidades”. A ideia da dupla de treinadores seria inovadora, porém, não resistiu a pressão popular que pedia a volta de Romário, cortado por indisciplina nas eliminatórias, na qual o Brasil sofreu sua primeira derrota na história do torneio, em La Paz, para a Bolívia por 2 a 0. No último jogo o Brasil precisava da vitória contra o Uruguai para se classificar, superando a celeste com dois gols do próprio Romário, que marcou de cabeça e, depois de um drible desconcertante no goleiro (à la Pelé contra o Uruguai em 1970), carimbou o passaporte brasileiro para os EUA. Nas quartas-de-final estava a Holanda, campeã da Eurocopa 1988. Na época, Zagallo afirmou que tinha que devolver a eliminação de 1974 e que a laranja estava engasgada (nele) há muitos anos. O Brasil fez 3 a 2 com gols de Romário, Bebeto e Branco. Seria mesmo a Copa de Romário que marcou 6 gols, inclusive na final contra a Itália, a primeira decidida nos penaltis. Zagallo indicou Romário como batedor, apesar de não ter treinado as cobranças na véspera da partida: “Manda o baixinho bater!” Brasil tetracampeão.
“VOCÊS VÃO TER QUE ME ENGOLIR”
A frase acima é a mais conhecida de Zagallo, dita após a conquista da Copa América de 1997 diante da rival Argentina. Tentava-se firmar pela herança de conquistas na seleção, pois em 1996, deixou escapar a medalha de ouro, eliminado pela Nigéria, nos Jogos de Atlanta. Romário lesionado estava na lista...de corte da seleção, sendo anunciado por Zico, então coordenador técnico para a Copa da França em 1998. O Brasil perdeu para a Noruega por 2 a 1 na fase de grupos. E depois de Chile e Dinamarca, mais uma vez a Holanda pelo caminho, agora nas semifinais. Com o resultado de 1 a 1 nos 90 minutos e 0 a 0 na prorrogação, a decisão foi para os penaltis. Aí entrou o otimismo exagerado de Zagallo dizendo palavras de ordem para cada um dos jogadores visivelmente exaustos: “Vamos ganhar isso, hein...vamos ganhar”. Com Romário cortado para a Copa da França, Ronaldinho seria o grande protagonista, inclusive na final, com o caso da convulsão sofrida horas antes do jogo contra a França. Ronaldo passou por exames em Paris e a comissão técnica o liberou para a decisão. Mas minutos antes, na transmissão da TV Globo, o narrador Galvão Bueno dizia perplexo que Edmundo estaria escalado no lugar de Ronaldo. Para Zagallo, Ronaldo pediu para jogar. “O time estava apático, pensei que ele entrando em campo levantaria a equipe”, disse. Muita pressão em cima do jovem fenômeno, falava-se em exigências do patrocinador, estresse. Seria uma tentativa de surpreender o adversário, como no filme “El Cid” (Anthony Mann - EUA/1961), onde o lendário espanhol, após ser ferido em duelo, desfila morto em seu cavalo entre mouros e cristãos. Os brasileiros estavam literalmente desabando em campo (o goleiro Bhartes trombou com Ronaldo na entrada da grande área). Brasil perde por 3 a 0 para os le bleus. Brasil vicecampeão (não acontecia desde 1950!).
“EU VIVO A AMARELINHA”
Em 2006 na Alemanha, marca a volta da dupla Parreira/Zagallo, técnico e coordenador respectivamente no comando dos pentacampeões com o chamado “quadrado mágico”: Kaká, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo e Adriano. Só funcionou para Ronaldo tornar-se o maior artilheiro das Copas com 15 gols – a antiga marca era do alemão Gerd Müller com 12; Klose, também da Alemanha com 14 até o Mundial da África do Sul, poderá ultrapassar o fenômeno se jogar e marcar em 2014. Outra frustrada eliminação pela França, nas quartas com gol de Thierry Henri no segundo tempo, depois de escanteio cobrado e desatenção total da defesa. Zagallo passou maus momentos na Copa de 2006, com depressão após uma cirurgia para retirada de um tumor no duodeno.
E a história seguinte: Dunga na África, França eliminada na primeira fase, Alemanha 3º, Uruguai ressurge com o 4º lugar (o mesmo de 1970!), e Holanda eliminando o Brasil para ser vice diante da Espanha...tudo de novo, Zagallo?
Elson Leonidas, é músico, desenhista e colecionador de futebol de botão.